Tilápias do Nilo são criadas em sistema de tanque rede na Fazenda Santa Ana, passa por um processo genético para garantir uma carne de boa qualidade com bom espaço na gastronomia nacional
Uma propriedade rural de mais de 100 anos no município de Garça é o ‘ninho’ das tilápias, peixe que a cada dia ocupa mais espaço na gastronomia brasileira, por não ter espinhos. Usando uma genética diferenciada e o sistema de tanque rede, a empresa já pensa em ampliar os negócios, partindo para o uso dos resíduos de peixe que ficam junto à espinha e com eles fazer hambúrguer.
A criação de peixes em tanques começou em 1993 com pacus que o produtor Fernando Nagano Fernandes ganhou na então Cesp de Barra Bonita. “Sou engenheiro eletricista e trabalhei na Cesp. A fazenda foi de meu avô, sou a terceira geração. Na Cesp conheci a piscicultura, viajando pelas usinas do Tietê. Ganhei uns alevinos e engordei os peixes. Trabalhava com peixe de piracema: pacu, curimba, piauçu, da fauna brasileira.”
A tilápia ainda não era conhecida nessa época. “Era um peixe considerado praga. Mas o melhoramento genético no mundo e na Tailândia reverteu a situação. Meu carro chefe é a tilápia do Nilo, que é fruto do trabalho genético. Esse peixe tem filé mais espesso. O rendimento dele é melhor.”
Para melhor entender a diferença entre o peixe criado em tanques rede e aqueles que são criados no rio, Fernandes compara com o frango de granja. “A piscicultura está no caminho que a avicultura já percorreu e é sucesso no Brasil. O melhoramento genético é o rumo que a tilápia está tomando. Em 1998 eu dominava a reprodução. Engordava os peixes e vendia para os pesque e pague. Fiz cursos em Maringá.”
De acordo com o empresário, os peixes de rio têm sabor diferente. “Eles têm sabor de barro no final. Peixes de rio sempre absorvem poluição. Na região de Avanhandava e Araçatuba se tornaram polos de criação, mas são peixes de rio.”
Fernandes destaca que, a tendência é que o consumo de peixe cresça nos próximos anos, especialmente por ser uma alimentação mais saudável. “A recomendação das Organizações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) é o consumo de 15 quilos de pescado ao ano. No Japão se consome 40 quilos e, em algumas regiões do País, como na Amazônia se consome a mesma quantidade ou mais.”
No Brasil, de modo geral, o consumo é de 10 a 12 quilos. “Há 20 anos, quando comecei a criar peixes, o consumo era de sete quilos. O consumo de carne bovina ou de ave é de 40 quilos, portanto temos um espaço a conquistar. Precisamos mostrar que o peixe de criadouro é mais limpo e mais leve.”
O peixe de criadouro está aparecendo. “A tilápia é altamente desejável. Está presente em muitos restaurantes da região e da Capital. O Figueira Rubaiyat, um ícone da gastronomia, é nosso cliente. Eu vendo no varejo. Fazemos um trabalho regional, a gente quer ser conhecido regionalmente. Bauru vende muito, Agudos também. Atendo restaurantes, petiscarias, varejões e açougues.”
O empresário acredita que, o mercado cresceria mais do que o normal, se houvesse incentivos. “A atividade de cultivo cresce de 15 a 20% por ano. O mercado de fish cresce 15% ao ano e a produção não acompanha. O governo Lula criou o Ministério da Pesca e Agricultura que enxergou algumas coisas nessa área. Na Fiesp tem um departamento de pesca.”
Resíduos viram adubo
As vísceras e cabeça da tilápia, até pouco tempo, eram transformadas em ração. “Com o resíduo do peixe a gente fazia uma silagem biológica com lactobacilos. A fermentação fazia com que essas partes do peixe se transformassem em uma espécie de patê. Que era uma base de proteína que podia ser usada na base da ração animal. Como não faço ração paramos o processo,” explica Fernando Fernandes.
Metade do pescado é resíduos. “Hoje usamos os resíduos para fazer compostagem junto com a palha do café. A palha tem o carbono e vira um adubo com o qual estou adubando o cafezal da fazenda. Não jogamos nada fora”, explica.
Couro de peixe
Fazer o couro da Tilápia se transformar em bolsas, sapatos e objetos de decoração é um passo que Fernando Fernandes ainda vai ter que dar. “Fizemos o curtimento, tingimos de várias cores, mas não conseguimos chegar onde pretendemos. Chegamos a fazer bolsas e sandálias, porta batons, mas é moda e moda é um pouco complicado. Eu pretendo comercializar o couro tratado para decoração de ambientes.”
Peixe nasce em Garça, mas a sua engorda ocorre em Palmital
As tilápias que nascem em Garça, ‘viajam’ ainda ‘bebês’ para Palmital para engordar. Depois de ‘gordinhas’, elas entram de novo nas caixas próprias para o transporte e voltam para o ‘ninho’ para serem abatidas. “Em 2005 surgiu a ideia de instalar um frigorífico para tirar filé de tilápia e surgiu mais uma empresa especializada. Em 2011, a piscicultura de Palmital, no sistema de tanque rede. No rio Paranapanema, um dos mais limpos do Estado de São Paulo, onde fazemos a engorda dos peixes,” explica Fernando Fernandes.
Segundo ele, o peixe nasce em Garça e vai para Palmital onde fica de 4 a 6 meses, dependendo do tamanho que atinge. “Volta para Garça para abate para ser processado na Fish Fácil. O transporte é feito por caminhões com caixas específicas para transportar peixes. Em mil litros de água eu consigo trazer 350 quilos de peixe vivo. Atualmente tenho três caixas em torno de mil quilos por viagem. Hoje a empresa abate de 8 a 10 toneladas de tilápia/mês. Em um frigorífico grande essa quantidade é abatida em um único.”
Quando retorna para o frigorífico em Garça, a tilápia do Nilo pesa algo em torno de 800 gramas. “Fabricamos o filé fresco nas bandejas ou embalagem a vácuo para varejo. Não temos embalagem para o consumidor final ainda. Filé congelado e a polpa de peixe, carne mecanicamente separada (CMS) que é uma polpa.”
No processo de filetagem é tirado dois filés de cada peixe. “Sobra a carcaça. É nela que ficam carnes entremeadas, aquela que não sai no processo de filetagem. A máquina despolpadeira usa pressão compacta para extrair a carne da carcaça. Essa carne representa 10% do peso do peixe. A cada tonelada tiro 100 quilos de polpa. É com essa polpa que vou fazer o hambúrguer.”
A empresa que vai fazer o hambúrguer já tem endereço e deve entrar em atividade até o meio do ano de 2015. “A Garpeixe vai usar a polpa. Vamos ser um entreposto de peixes só de cultivo: tilápia do Nilo, salmão do Chile, camarão do Nordeste, tambaqui da Amazônia. Inicialmente vamos usar a tilápia para hambúrguer, mas no futuro podemos fazer outras coisas com outros peixes.”
Este ano ampliamos a planta de processamento. Atualmente, a Fish Fácil processa de 8 a 10 toneladas. “A empresa está sendo preparada para processar 20 toneladas/mês, esse é o projeto futuro. O próximo passo seria fazer um frigorífico para 10 toneladas/dia em Palmital, ” conta.
Projeto estimula a piscicultura e a agricultura familiar
Dois projetos desenvolvidos em parceria da prefeitura e empresários de Garça garantiram o prêmio prefeito-empreendedor pelo Sebrae este ano ao administrador municipal José Alcides Faneco. O de piscicultura prevê a instalação de tanques em pequenas propriedades rurais para a criação de tilápias.
Uma unidade demonstrativa foi montada para que os interessados conheçam e façam a adesão ao projeto. O empresário Fernando Nagano Fernandes explica que a prefeitura doou um terreno para ele montar uma fábrica de hambúrguer e como retribuição, ele montou a unidade. “Instalamos uma unidade demonstrativa. Vou doar os alevinos. Uma empresa doou a lona e o aerador para criarmos tilápia.”
Ele explica que o modelo de tanque sai do clássico e se encaixa perfeitamente para o agricultor familiar. “Os tanques de 200 metros cúbicos possibilitam tirar de 600 a mil quilos de tilápia. No tanque convencional seria possível tirar de 200 a 300 quilos, por isso o negócio é mais interessante. Produz peixe de alta qualidade. Sai do clássico de um a dois quilos por metro cúbico e vai para três a cinco quilos.”
O modelo proposto pelo empresário possui um gel membrana que isola o tanque da terra e possibilita triplicar a criação em comparação ao modelo tradicional. “É um ganho a mais para o agricultor familiar.”
Os peixes criados em tanques serão processados e devem produzir aproximadamente 1.500 quilos. “A previsão é de que em abril do próximo ano iniciemos o processamento da tilápia. A obra está bem adiantada. Vamos aproveitar o filé e com a polpa faremos hambúrguer e outros produtos.”
A intenção poderá ser ampliada, porque outros tipos de peixes estão sendo pesquisados para serem criados em tanques, explica o empresário. “Inicialmente vamos usar a tilápia. Mas pretendo trazer o salmão para atingir um outro tipo de público. Com ele também faremos hambúrguer.”
Machos
A empresa instalada em Garça tem três represas e 22 tanques de reprodução. Para que a produção seja a desejada é necessário fazer a reversão sexual das tilápias. “É um tratamento com hormônio masculinizante para que o cardume fique com a maioria de machos,” explica Fernando Fernandes O macho cresce de duas a três vezes mais do que a fêmea no mesmo período. “A fêmea faz ovas e o macho músculo. A reversão atinge de 95 a 97% do cardume. Isso é feito para que possamos ter uma rentabilidade melhor.”
Por Rita de Cássia Cornélio
Jornal da Cidade de Bauru – publicado em 18 de janeiro 2015